terça-feira, 31 de maio de 2011

Como conhecer alguém de verdade

 - Você conhece bem o Billy, né?
 - Sim. Há muito tempo.
 - Quem é o Billy de verdade?
 - Ele é como uma máscara, mas não para iludir. Pelo menos não com o intuito de se aproveitar e parecer o que não é. É a porção mais dura de um rosto. É a máscara para a proteção. É quem aguenta as pancadas.
 - E quem ele mascara?
 - A Vontade, o desejo. Ela é quem manda. E faz o que quer, como quer e no momento em que quer. É impulsiva, quase, quase sem freios. É quem sai à noite, é a sede, é quem se embriaga, é a paixão, é o olhar lascivo. Billy é quem não sente. É a superficialidade, a armadura, o elmo. Ele é quem vai à frente, é as pernas em movimento, é a garganta sendo molhada, é a embriaguês, é a volúpia, é a língua.
 - Mas por que a Vontade precisa ser protegida? Se ela é a sequência de ações, o dinamismo, o agora? Por que proteger o que é inconsequente?
 - Porque é a segunda camada apenas. Percebe os cortes e vê o sangue escorrer. Sabe que a perna está quebrada e se a fratura está exposta.
 - Quem realmente sente?
 - A parte mais vulnerável. Que fica mais tempo escondida, não por fraqueza – sua força na verdade é a mais contundente -, mas por sua falta de resistência. É a parte mais bondosa e ao mesmo tempo a mais maldosa. É a vontade de proteger os outros, o altruísmo. E isso a torna ingênua - que é uma forma elegante de chamar alguém de tolo, ignorante. E a maldade reside na ignorância. A própria ignorância é a maldade em uma forma pura e bruta. E essa parte, que pode talhar mais forte, é também quem realmente sente os cortes. É quem admira o frio noturno, é quem dá de beber, é quem fica vendo tudo girar por detrás das janelas, é o amor, é a empatia.
 - Então Billy é oco?
 - Não. Ele apenas protege, ou tenta - da maneira que melhor pode – proteger seu conteúdo. Ele dá com a cara no meio-fio, levanta com a testa aberta, leva à boca a garrafa de pinga que não deixou cair, dá uns goles e vai em frente, para onde a Vontade o levar. Ele é a parte lapidada da alma. Ou melhor, é a não-alma. É a casca dura da barata mais resistente. É quem sobrevive depois que tudo morreu.
 - Mas como assim? Ele não deveria ser a proteção? Impedir os ferimentos e a morte?
 - Sim. Mas tem suas falhas de defesa. Na realidade, a Vontade, em alguns momentos, afasta Billy. E a parte mais fraca e mais forte, vê e permite ser vista fora das janelas. E é aí que algumas vezes ela morre. A Vontade morre menos, segue mancando e moribunda até se recuperar, enquanto a parte que realmente sente não volta à vida. E nessas horas, Billy não pára. Está lá, com um sorriso sarcástico no rosto, uma garrafa de bebida em uma mão, e uma mulher na outra. Atirado em algum canto, e seguindo em frente, para a próxima garrafa. Para a próxima oportunidade de morrer.
 - Ele vai agüentar pra sempre?
 - Acho que o suficiente.
 - Para que?
 - Para a Vontade se acalmar. Quando ele não precisar impedi-la de se matar. Quando o Tolo provar que sua loucura não é tolice. Que é apenas uma ótica que não conseguiu provar empiricamente sua eficiência. Se ela existir, o tempo suficiente para a paz. Billy é quem você conhece quando você sabe o que ele não é.

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