Leonardo dirige o caminhão da empresa pela estrada tranquila. Avista no acostamento um jovem casal pedindo carona. Ele pára e aguarda, enquanto os dois correm em direção ao caminhão.
- Muito obrigado por parar.
- De nada. Subam. Agente não pára o caminhão pra qualquer um na estrada. É muito perigoso. Mas vocês não são bandidos, né? Pelo menos não tem cara rs.
- Não. Não somos não rs.
O caminho é longo. O caminhoneiro conta o quanto gosta do seu trabalho, que apesar de tudo paga um salário razoável. Conta com orgulho dos cursos de especialização que fez para manter-se atualizado no mercado de trabalho. Fala também do quanto é difícil ficar longe da mulher e da filha de 7 anos, algumas vezes por dias.
- Casei muito cedo. Engravidei minha mulher quando agente tinha 17 anos.
O rapaz responde:
- Cedo mesmo. Mas você se dá bem com a família dela?
- No começo era foda. O pai dela não queria que agente ficasse junto de jeito nenhum. Mas hoje nos damos super bem. Vamos pescar junto. Hoje ele é meu amigão.
Conversam sobre mais algumas banalidades, ao som de alguma música estilo dance, poperô. Mas apesar de todas as dificuldades, ele fala sobre como é feliz, sobre como ama sua mulher e filha, e que especialmente hoje, está muito feliz porque vai conseguir chegar à sua casa um dia antes do que esperava.
Depois de alguns quilômetros, os jovens descem, vão pegar uma estrada diferente. Agradecem e seguem seu caminho para uma próxima carona. Leonardo vai em frente, escutando sua música, olhando a paisagem, às vezes inóspita, às vezes com fábricas, às vezes com casas.
Deixa o caminhão na empresa, e pega seu carro. Chega em casa perto das 19h:00min. Com seu controle remoto ergue o portão da garagem, entra com o carro, desce o portão e sai do carro. Abre a porta que dá para a cozinha, ouve uma música alta vindo do quarto. O tipo de música que ele gosta de ouvir, provavelmente sua mulher ouvindo algum cd seu. Leonardo passa pela cozinha e atravessa o pequeno corredor. Passando pelo banheiro, a próxima porta é a de sua filha. Ela não está. Ele pensa: "provavelmente está no quarto com a mãe ou na casa dos avós". A porta do lado oposto é a do seu quarto. Que sorriso de satisfação em seu rosto. Louco para agarrar sua mulher, que não via há 3 dias. Abre a porta do quarto. Ela está lá, deitada nua sobre a cama, os cabelos negros soltos sobre o travesseiro, seu seio direito à mostra, sua perna direita, torneada, pra fora do lençol, e o melhor amigo de Leonardo, nu sobre ela.
Ela empurra o homem para longe e fica ajoelhada sobre a cama cobrindo-se com o lençol. O homem salta para o lado direito da cama, próximo à porta e fica encostado ao criado-mudo com um olhar de assombro nos olhos. Recebe um chute no estômago e se abaixa de dor, então mais um chute, dessa vez na cabeça, que bate contra a parede. Cai desacordado no chão. A mulher faz menção de se mover na direção do marido, que ergue as costas do punho fechado na direção do queixo da mulher, que tomba também desacordada sobre a cama.
Leonardo puxa sua caixa de ferramentas que está sob a cama, retira dois grandes rolos de fita adesiva e prende os braços e pernas da mulher e do ex-amigo. Arrasta-os para fora do quarto, passa pelo corredor, pela cozinha, e chega à área de serviço, que fica do lado oposto à garagem. Retira as cordas - usadas para pendurar as roupas - que atravessam o cômodo, dos ganchos chumbados às paredes, e pendura os dois corpos inertes em cada um dos ganchos, pelas fitas que prendem seus braços.
Marcos, o amigo, começa a despertar, um pouco zonzo, visão embaçada, ouve uma voz familiar dizendo:
- Se fosse qualquer outro, eu apenas deixaria ir embora. A culpada é a vagabunda! Ela me devia satisfações e respeito. Mas você! Eu confiava mais do que confio em mim mesmo!
Marcos sente uma dor aguda e um pouco de sangue jorra. Ele agora desperta totalmente e solta gritos abafados pela fita em volta de sua boca. Seu rosto se desfigura retorcendo mais de pavor do que dor. Seu pênis está à sua frente, no chão ensanguentado.
Leonardo vai agora na direção da mulher que está do outro lado. Pega a faca ensanguentada e passa sob o seio farto da esposa, que acorda e se debate. Mais uma passada, gritos sufocados pela fita adesiva, o suor instantaneamente brota na testa da mulher. Uma terceira passada, e o seio esquerdo está no chão.
Em meio às lágrimas:
- Não se preocupem com a morte. Vocês provavelmente vão sobreviver a esses ferimentos, e vão lembrar pra sempre desse dia, e se arrependeram pelo resto de suas vidas! Eu posso até ir para o inferno, mas irei sabendo que vocês viverão com o castigo que merecem.
Com a mesma faca ele faz um corte em seu pulso esquerdo e um no direito. O sangue vaza, a visão começa a embaçar, pontos pretos, e ele cai.
Leonardo começa a abrir os olhos, uma luz muito clara o impede de ver direito. Pensa: “foi tudo um sonho?” Olha para os lados: macas, cortinas verdes, pessoas andando apressadas em trajes brancos. Está em um hospital. Ao seu lado um policial.
- O que eu estou fazendo aqui?
- Seu doente! Se recuperando para apodrecer na cadeia.
- Mas eu deveria estar morto.
- Concordo. Mas não está.
- O que aconteceu?
- O que concluímos, foi que Rosa, a mulher de marcos, foi ver porque o marido estava demorando tanto em sua casa. Ele tinha ido até lá sob o pretexto de arrumar alguma coisa no computador de Cláudia. Procurou pela casa toda até que os encontrou. Ela entendeu tudo na hora, talvez até o porquê da filha de sua amiga ter cabelos e olhos tão parecidos com o de seu próprio marido. Viu a faca no chão, pegou-a, enquanto o marido se debatia cortou-lhe o pescoço, em seguida foi a vez da mulher. Largou a faca e foi até sua casa que ficava ao lado, pegou a arma do marido, foi ao quarto do filho e deu um tiro em sua cabeça, então um na cabeça da filha de 7 anos do casal de amigos que estava dormindo ali, e um tiro na própria cabeça. Os vizinhos ouviram os tiros e chamaram a polícia. Quando chegamos à sua casa, seus sinais vitais estavam fracos, mas era o único que permanecera vivo. E agora você está aqui. O corte no seu pulso direito foi bem profundo e acabou ferindo bastante os tendões da sua mão. Provavelmente você não possa dirigir um caminhão outra vez. Mas para onde você vai dificilmente você precisará dirigir.
Leonardo pensa: “Sim. Com certeza o inferno existe :/”
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