terça-feira, 30 de agosto de 2011

(in)evitável?

 *Nota: não é meu costume explicar o que meu dedo aponta, no entanto considero necessário algum esclarecimento: a ausência de nomes no texto, se deve à impressão que tenho do quanto esse assunto é comum - o que não tira sua importância. Nas palavras de Clarice Lispector: "Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer."
 Me incomoda de certa maneira a narração no final de cada parte do conto, pois acho que tira um pouco da liberdade de quem lê. No entanto sinto que o texto pedia tal narração.
 Se você evitou alguma das etapas abaixo, ou não pôde evitar mas superou: parabéns! Se não: boa sorte :)



 - Por que você tá quieto?
 - Queria te falar uma coisa... Importante.
 - Então fale.
 - Já faz quatro meses que estamos juntos, nos vemos quase todos os dias, fazemos tantas coisas juntos... Fica comigo.
 - rs Mas eu fico com você.
 - Só comigo. Larga ele. Ele nem gosta de você. E você também não gosta. Vocês ficam aí se traindo e se enganando...
 - Claro que não. Ele não me trai, e nós nos gostamos sim.
 - Então por que você está esse tempo todo comigo?
 - Porque eu gosto de você também.
 - É... Você gosta de mim quando ele te faz falta. Na ausência dele é que se mostra o seu “gostar” de mim.
 - Não fala assim, eu amo você. De verdade.
 - Assim como você amou os outros antes de mim? Assim como você vai amar outros depois?! Eu cansei! Fica comigo ou vamos terminar isso agora.
 - Ai, você sabe que eu não vou terminar com meu namorado.
 O jovem com semblante pesado deixa a menina para trás. Ela o observa, com um pouco de lágrima nos olhos. Vai para a casa de seu namorado.

 Entra na casa, vai até a sala, seu namorado está assistindo televisão, um jogo de futebol. Ela chega por trás e o abraça, tenta beijar sua boca, mas alcança apenas o rosto. O namorado simula o ato de beijar, porém sem tirar os olhos do jogo e mal virando o rosto. Ela parece frustrada, senta-se no sofá ao lado da poltrona dele.
 - Tá tendo uma peça bem legal no teatro hoje. Vamo vê?
 - Ah não... To cansado, você sabe que eu fiquei a semana toda fora, trabalhando, cheguei agora e to querendo descansar.
 - Você já parou pra pensar quanto tempo faz que você só fica descansando?! Talvez você esteja cansado é de mim! É sempre a mesma coisa! Que saco!
 - Que saco você! Agora tenho que fazer tuas vontades, e justo hoje que ta tendo o jogo.
 Ela sobe as escadas da casa, vai para o quarto, chora. No escurecer que chega aos poucos, ela fica olhando para a janela, mas sem prestar atenção em nada específico, apenas pensa em porque as coisas complicam tanto pra ela, e adormece, sem se dar conta, ou, mais especificamente, se esforçando em não se dar conta, de que o medo que ela sente é o que realmente a tortura e o que a faz tomar decisões erradas, uma após outra.

 Acorda uma hora depois, sentindo seu peito apertado, pega o celular e manda uma mensagem para seu “amigo”: “Gostaria que você me entendesse. As coisas não são simples pra mim. Tanta coisa acontecendo... Você me faz muito bem. Amo muito você! Pra sempre! Espero que você ainda queira me ver. Mas se não quiser tudo bem. Eu vou entender. Bjos!
 Pouco depois seu celular dá um bip: “Você se esforça em complicar as coisas. Você deve sentir algum prazer em sofrer. E em me ver sofrer também. Mas acho que não consigo mais ficar sem você. Te espero amanha. Bj!".
 E em seu quarto, onde estudava para a prova de física do seguinte, ele sofre, porque espera força de alguém que possui muita fraqueza, e cria expectativas sobre o que não deveria, pois o esforço é apenas seu, da outra parte há apenas comodidade.

***

 O rapaz se levanta, veste a cueca e as calças.
 - Você já vai? Assim?
 - Tenho que ir. Você sabe.
 - vou sentir tanta saudade.
 - Não devia. Já te avisei que você não devia levar muito a sério essa história.
 A garota fica com um pouco de lágrima nos olhos.
 - Por que você me trata assim? Só queria ficar bem com você.
 - Eu também. E estou muito bem assim. Não vem arrumar encrenca não. Por que você não fica com aquele carinha que ta sempre atrás de você?
 - Eu não gosto dele pra isso.
 - Mas ele gosta de você. Você devia aproveitar a oportunidade de ficar com alguém que gosta de você de verdade, porque comigo não vai rolar nada além disso aqui não.
 - Às vezes parece que você só quer me magoar.
 - Não é verdade. To é pensando no que é melhor pra mim.
 Ele termina de se vestir, da um tchau, assim como quem se despede de alguém em uma entrevista de emprego, pega seu carro e vai para casa.

 Em casa, liga a televisão e senta-se no sofá. Está passando uma partida de futebol, do seu time, mas ele mal percebe isso, pensa na frustração que vive, lembra com saudade de sua ex-namorada, que o deixou porque descobriu que ele a traíra. Na verdade sua ausência em casa aumentou depois que começou a namorar novamente, agora com a garota que mora com ele. Ele tenta se convencer que isso é o melhor para eles, mas pensa com irritação na hora que ela vai chegar, e nos momentos que ela irá querer passar com ele, enquanto ele só quer ficar ali. De repente é envolto num abraço que vem por suas costas. Ele cumprimenta a namorada, ou não. Não tem muita certeza. Ela quer ir ao teatro com ele, ele só quer “paz”. Discutem e ela sobe as escadas em direção ao quarto. A porta bate.
 “Que saco! Vontade de ter ficado mais tempo fora mesmo. Eu podia ter arrumado outra cidade pra ficar mais um ou dois dias antes de voltar”
 E assim ele fica se torturando, forçando uma situação incômoda, porque por certo tempo, em certa época lutou para ficar com a mulher que tem hoje, mas na verdade era apenas pra tentar fugir de seu outro amor, que talvez pela impossibilidade de voltar a tê-lo, fica a pensar que seria a sua pílula da felicidade, no entanto não pode deixar escapar a vida “perfeita” que busca ter agora.

***

 A porta do quarto se abre, a garota está acordada há algum tempo. Seu namorado se senta ao seu lado.
 - Me desculpa. É que to cheio de problemas com o trabalho. Tá meio atrasado. E a viajem foi longa, cansativa...
 - Tudo bem. Deixe.
 - Einh... Quer sair ainda?
 - Não. Não vai dar tempo. Eu tinha que me arrumar ainda.
 - Vamo jantar em algum lugar. Esquecer essa discussão. Eu te amo e quero ficar com você.
 Ela se arruma. Eles vão a um restaurante. Lá, comem e se descontraem. O celular dela da um “bip”, ela olha: “To morrendo de saudads! Durma bem. Até amanhã.”
 - Quem é?
 - Ninguém. Propaganda só.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

"Sonhos" de uma noite de inverno

 Desço na rodoviária da cidade, o tempo não parece muito bom, um pouco de garoa e uma brisa fria. Faz tempo que não venho à praia, tudo bem que não deve ser tão divertida com esse inverno e sozinho, mas a solidão e o frio eu posso resolver fácil com a necessária quantidade de bebida. Sigo pela estrada que vai até o centro, onde mais à noite terá alguns shows. Nada muito empolgante, mas é alguma coisa. Vou para o mercadinho mais próximo e compro uma garrafa de gim barato, abro e dou um trago. As ruas ainda estão vazias, exceto pelo espaço coberto onde acontecerão os shows, que no momento está repleto de senhoras de meia idade jogando bingo, e crianças correndo até serem bruscamente paradas por agarrões firmes em seus cabelos por seus pais. Anjinhos. Vou em direção à praia, passo por lojas, lanchonetes e barzinhos fechados, uma caminhada de uns quinze minutos. A garoa pára, chego à praia, vou caminhando pela areia até chegar a uma formação rochosa com a qual o mar se choca, sento e fico bebendo enquanto vejo as ondas se quebrarem. Estou com um pouco de sono, deito sobre as pedras, o vento diminui. Algumas pessoas passam por mim, sem dar muita atenção, parece uma família de turistas aproveitando sua casa de praia, ou sem muito dinheiro pra ir pra um lugar mais quente.


 Desperto, pego meu celular para ver as horas: 17h17min. Ainda tenho dois terços da garrafa cheios, me levanto e vou para um barzinho pelo qual passei antes e estava aberto, onde a porção de batatas fritas parecia grande, barata e calórica, perfeita para me preparar para o resto da noite. No bar, como as fritas e observo o movimento aumentando na rua, viro um martelinho de cachaça e em seguida um copo de chope. Pronto! Vamos à “festa”. A música já começou a tocar, não sei como defini-la com certeza, é algo entre sertanejo, pop, e funk carioca. Agora a música esta lenta, um pouco a frente há três policiais encostados em uma viatura. Um jovem caminha na direção deles, um pouco atrás uma garota o filma com um celular. Ele está a um passo dos policiais, quando a música muda de ritmo para uma batida funk, o rapaz começa a dançar, rebolando e mexendo os braços ao ritmo da batida enquanto vai descendo até o chão. A música volta ao ritmo lento e ele se levanta, com um ar calmo dá as costas aos guardas e caminha em direção a uma pequena rua ao lado da viatura. Um dos policiais tira seu cassetete e tenta golpear o “dançarino”, este ao perceber a movimentação corre e escapa do golpe, mas em seguida o policial acerta um chute de raspão no pé do fugitivo, que cambaleia e vai correndo tentando recobrar o equilíbrio. Um dos outros policiais corre em “auxilio” do colega, quando os dois primeiros adentram a pequena rua a última coisa que vejo é o cassetete acertando as costas do rapaz, que se retorce e desaparece com os guardas a lhe seguir. A garota que filmava tudo acompanhou a ação a uma distância segura, os dois policiais voltam do beco, parecendo ter perdido sua presa, vêem a garota que ainda os filma, esta se vira e corre em direção ao espaço coberto, agora já lotado de todo tipo de pessoas. Provavelmente esse vídeo terá uma boa quantidade de acessos na internet.


 Encosto-me em um canto, longe do palco e sem tanto tumulto, não é o tipo de música que eu faço questão de ouvir, na realidade dificilmente eu estaria aqui se não estivesse acompanhado. Tomo mais um gole de minha companhia. Noto que uma garota olha bastante para mim, está sozinha, estico a garrafa em sua direção, num gesto para oferecer-lhe. Para minha surpresa ela vem até mim, pega a garrafa e da um longo gole. Amor à primeira vista! Ou mais ou menos isso. Não fiquei surpreendido pela atitude em si, mas sim pela pessoa que aceitou minha gentileza. Traços delicados, cabelo cuidado, maquiagem bem feita, mini-saia roxa com uma meia-calça grossa por baixo, ar agradável. Gostei.
- Ola. Não achei que você fosse aceitar o gole.
- Porque não? Meninas não podem beber?
- Podem. Mas não achei que você era dessas que bebem gim puro direto da garrafa rs.
- Você sempre julga as pessoas pela aparência?
- Nunca. Por isso te ofereci :).
- Você não parece o tipo de pessoa que gosta dessas músicas.
- É. Não gosto. Você quer ficar vendo as bandas?
- Não. Vamos dar uma volta.
- Qual o seu nome?
- Natalia. E o seu?
- Billy
Conversamos até chegar ao atracadouro, pouca luz, poucas pessoas passeando por ali. Eu a seguro e a beijo. Ela corresponde. Seguro sua nuca com firmeza, vou escorregando a mão por suas costas, quando minha mão chega próxima de sua bunda ela a pega e sobe um pouco, para sua cintura. Sentamos em um banco e terminamos a garrafa enquanto nos conhecemos melhor. Ela está sozinha na cidade, esperando duas amigas que chegam no dia seguinte, está hospedada na casa de uma delas. Fico olhando seus olhos, há algo muito singular em sua beleza, me aproximo e beijo novamente. Minha mão segura uma de suas coxas, vou subindo vagarosamente até passar do limite da sua saia. Ela me pára mais uma vez.
- Calma. Acho que era bom eu te contar uma coisa.
Ela levanta e caminha até uma parede próxima, eu a sigo, Ela se encosta.
- Teu namorado ta por aí.
- Não tenho namorado. Você vai embora quando?
- Amanha de manhã.
- Então é melhor eu falar agora mesmo. É que eu não sou o tipo de mulher que você ta pensando.
- Como assim? Você é uma garota de programa? Tudo bem por mim rs.
- Não. Na verdade eu não sou totalmente uma mulher.
- Tá me zoando né?!
- É sério.
Eu agarro sua coxa com força, ela está cabisbaixa e não se move, subo minha mão até sua virilha e ela continua inerte. Então sinto uma sensação nada agradável: um considerável “volume” entre suas pernas.
- Filha da puta!
Agarro seu pescoço e a forço contra a parede.
- O que que você tá pensando?! Se eu gostasse de homem eu teria procurado um!
Enquanto seguro seu pescoço com a mão esquerda, levanto a direita, pronta para acertar-lhe um soco, estou possesso e ela está ciente da cólera em meus olhos, começa a choramingar
- Eu devia te socar! Ou te dar uns tapas!... ou...
Olho pra ela, agora com mais frustração do que raiva.
... um puxão de cabelo... ou alguma coisa assim...
Empurro sua cabeça contra a parede e a largo.
- Vo sair fora. Fica longe de mim.
Viro-me, dou um passo, paro e olho para ela mais uma vez.
- Quantos centímetros o teu tem?
- Quatorze.
- Hum... Pelo menos isso... O meu é maior.
Viro-me novamente e saio, sem olhar para trás, frustrado, mas me sentido um pouco menos ridículo.