Era uma manhã quente e nenhuma nuvem à vista. Resolvemos dar uma
volta, ir para algum lugar diferente. Eu e Leli fomos com o William no
carro dele para uma cidade próxima, munidos de vodka, conhaque,
refrigerante, suco, gelo e narguile. Era uma cidade pequena, nos
afastamos do centro e acabamos em uma estrada de terra. Paramos em um
local com gramado, alguns arbustros, poucas árvores; o outro lado da
rua margeado por barrancos de terra vermelha.
Ficamos embaixo
de uma das árvores preparando as bebidas e o narguile. Conversamos,
bebemos, fumamos, bebemos, tocamos violão e cantamos, bebemos. Depois
de certo tempo nessa rotina, juntou-se a nós uma garota, conhecida do
william: andressa - que já parecia meio alta quando chegou lá.
Com
Andressa veio outro cara que não me lembro o nome. Ele estava de
bicleta e foi conversar com a Leli. Ele parecia estar dando em cima
dela, mas ela como normalmente fazia, disse depois não ter percebido
nada. Ela já tinha bebido bastante e, teve a brilhante idéia de andar
com a bicleta de seu novo amigo. Ele pareceu meio preocupado, mas
deixou. Ela foi em direção aos barrancos do outro lado da rua. Ela
queria subir por eles com a bicicleta, a qualquer custo. Os barrancos
eram razoavelmente íngrimes, 2 a 3 metros de altura mais ou menos, e a
terra vermelha deslizava com muita facilidade.
Na primeira
tentativa o pneu dianteiro afundou em um pouco de terra que estava mais
fofa, fazendo o guidom girar para a direita, desequilibrando Leli, que
teve sua queda amortecida pelo seu rosto contra o chão. Ela levantou
cambaleante, rosto sujo e arranhado e um pouco de sangue no lábio. O
cara com ela a ajudou a levantar-se e tentou - sem sucesso -
convencê-la a deixar a bicicleta.
As tentativas continuaram; os
tombos também. Nós gritávamos, entre um trago e outro, para que ela
parasse. Ela não parava, e seu estado estava cada vez pior. Quando já
parecia quase esgotada subiu mais vez na bicicleta, tomou impulso, e
correu, subiu quase tudo (quase); quando a roda da frente ultrapassou
os 2 metros à sua frente, a bicleta girou para a esquerda e ambas
(bicicleta e leli) caíram rolando.
Leli, deitada de bruços,
levantou a cabeça em meio ao pó e sofregamente começou a se arrastar em
direção à estrada de chão. Ela estava coberta de vermelho, a calça com
vários rasgos, na camiseta também havia um furo ou outro; seus
cotovelos, joelhos e ombros estavam todos ralados e com sangue. Ela
conseguiu se levantar (ou o mais próximo disso) e, com a altivez que
talvez tivesse um zumbi depois de pasar por umas boas, ela parou,
aguardando um carro que se aproximava. Ela começou a acenar com o braço
menos machucado para que o carro parasse para levá-la a algum médico -
william e eu não estávamos em condições de dirigir. O carro diminuiu a
velocidade, mas não o suficiente, acertou-lhe em cheio, mas não muito
forte. Após cair no chão, Leli ajoelhou-se, com uma cara que misturava
expressões de indignação, surpresa, riso, raiva e mais alguma coisa que
não pude identificar. Ela olhou ao redor, olhou para nós e disse com
essa mistura de expressões em meio ao que pareciam ser risos:
- Ele me atropelou! Vocês viram?! Eu não acrredito! Olha o meu estado! E ele me atropelou!
O
carro, com o parachoque na altura mais ou menos da testa de Leli,
acelerou um pouco encostando nela. Mas ela consegiu afastar-se um pouco
a tempo de avitar o choque em sua cabeça, acertando-lhe apenas o ombro,
de leve. O motorista estava com uma cara de quem espera o sinal de
transito abrir, parecia um pouco entediado, um esboço de sorriso no
canto do rosto, ou apenas tédio. Ela gritou ao motorista:
- Tá bom! Tá bom! Já entendi! Já tô saindo.
E arrastou-se até onde estávamos.
O
motorista olhou para o lado, ela saiu da pista, ele balançou a cabeça -
o aparente sorriso no canto da boca pareceu evidenciar-se um pouco -
e seguiu viagem.