quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Egito, Êxodo e Deus: Parte II-c: Construindo Deus

 Esta é uma pequena série de textos mostrando uma alternativa ao ponto de vista consensual sobre o êxodo do Egito, o Egito e regiões próximas nessa época e a formação da religião judaica, que por sua vez deu origem ao cristianismo e ao islamismo. Os textos estão divididos em duas partes. Esta segunda parte é dividida em seis partes menores.
 Estes textos são uma espécie de resumo, trechos retirados do livro “TUTANCÂMON a verdade por trás do maior mistério da arqueologia” (título original: Mercy), de Andrew Collins e Chris Ogilvie-Herald, Editora Landscape, 2004. O livro é muito mais abrangente e detalhado do que o mostrado aqui, com inúmeras referências e pontos de vista alternativos sobre os temas abordados. Nesse resumo suprimi as referências e adotei os pontos de vista escolhidos como mais prováveis e necessários para o desenvolvimento do raciocínio dos autores. Quaisquer dúvidas ou pedidos de referências podem comentar que responderei.
 Estes textos, obviamente, estão aquém do original, no entanto, conseguem mostrar satisfatoriamente que o que sabemos talvez não seja exatamente da forma que pensamos ser. Para todos que se interessam pelo Egito, religiões, História e pela incessante busca pela verdade.

 Parte II-c: Construindo Deus:

 Um bode expiatório para Azazel

 Em hebraico, se`ir significa “áspero” ou “peludo”, como o pêlo de um bode montanhês. Seir era também a terra de Esaú, “o pai dos edomitas no monte Seir”, que era o irmão mais velho de Jacó e filho de Isaac, cujo pai era o patriarca Abraão. Esaú, ou Edom – são a mesma pessoa -, era conhecido como “o peludo” (ish se`ir), indicando que ele é meramente um aspecto do deus de Seir. Também identifica-se com o “bode” (sa`ir), ou mais corretamente o bode expiatório. Segundo o livro do Levítico:

E Aarão pegará o que foi sorteado para Yahweh e o oferecerá como sacrifício pelo pecado. Quanto ao bode que foi sorteado para Azazael, será colocado vivo diante de Yahweh, para fazer a expiação, e depois será mandado para Azazel do deserto.

 Azazel é um anjo caído, cujo nome passou a associar-se à palavra “bode expiatório”, nas traduções bíblicas. Mas na verdade vem mais provavelmente do acádio uz, que significa “bode”. Dele afirmou-se: “Sua parte entre os povos é Esaú, um povo que vive da espada, e sua parte entre os animais é o bode. Os demônios [shedim] fazem parte de seu reino, e na Bíblia são chamados de seirim; ele e seu povo são denominados Seir”. Os seirim mencionados aqui não eram demônios, é claro, mas os povos nativos de Seir, descendentes de Esaú, ou Edom.

 O monte Seir, então, seria o local original do ritual do bode expiatório realizado por Aarão, e perpetuado a cada ano na festa judaica do yom kippur, o Dia do perdão. Os estudiosos rabínicos na era medieval procuraram dissociar essa prática arcaica de qualquer sacrifício feito ao deus de Seir. Isso parece confirmar-se em uma afirmação feita por um rabi judeu que deixou claro que “o bode expiatório não é (Deus me livre!) uma oferenda de nós a ele [ou seja, o deus de Seir] mas um ato de obediência a Deus.”

 Então , que deus seria exatamente esse deus de Seir? Ele está associado a Esaú, e também com Edom, cujo nome significa simplesmente “vermelho”. Esse nome de cor alega-se que deriva da conhecida história bíblica na qual Esaú é enganado, vendendo sua progenitura a seu irmão caçula Jacó, o qual lhe ofereceu algumas lentilhas vermelhas em troca de seus direito. Mesmo assim, o verdadeiro objetivo dessa parábola talvez seja justificar a animosidade que sempre existiu entre os dois ramos distintos da família de Isaac.

 O fato de Aarão, o irmão de Moisés e sumo-sacerdote da tribo de Levi, ter imolado o bode no monte Seir, na terra de Edom, onde os registros egípcios falam de um lugar chamado “Yahweh na terra dos shasu”, é interessantíssimo. Aí sim, talvez possamos encontrar as raízes por traz da adoração de Yahweh. Como a Montanha de Yahweh poderia, por uma lado, ter sido encarada como o assento, o trono ou o santuário da deidade israelita, e por outro lado morada do deus “pagão” de Seir?


 Montanha da Lua

 Por volta de 640 a.C., um homem chamado Josias foi ungido rei de Judá. Ao contrário de vários antecessores seus que haviam caído na idolatria, era seguidor fanático de Yahweh, e se diz ter “seguido em tudo o comportamento de seu antepassado Davi, sem se desviar nem para a direita nem para a esquerda”.

 Josias trouxe de volta a adoração a Yahweh como religião nacional e tentou exterminar todas as formas de idolatria. Quaisquer práticas religiosas ou trechos do Velho Testamento que ligassem o deus de Israel à terra dos edomitas, os inimigos mortais dos israelitas, teriam sido expurgados.
Diz-se que Amasias, seu ancestral, Rei de Judá, depois de matar tantos “filhos de Seir”, 200 anos antes, trouxe de volta a Judá

[…] os deuses dos filhos de Seir, e os adotou como seus próprios deuses, os adorou e queimou incenso diante deles.

 É possível que Josias tenha instruído os copistas do Pentateuco para dissociarem o culto a Yahweh de quaisquer referências ao deus “pagão” de Seir, que dali para a frente foi transformado em demônio chamado Azazel ou Edom. É plausível também que Josias tenha eliminado quaisquer associações geográficas entre Seir e a Montanha de Yahweh, na esperança de que isso purificasse a lembrança da aliança entre Moisés e Yahweh no monte Sinai/Horeb. Se isso tiver mesmo ocorrido, pode explicar melhor por que, tantas gerações depois, o profeta Ezequiel, como “a palavra do Senhor”, falou tão mal do monte Seir:

Estou contra ti, ó monte Seir, e estenderei meu braço contra ti, e fazer de ti um deserto, um lugar desabitado. Transformarei tuas cidades em ruínas, e tu serás um deserto, e conhecerás que Eu sou o Senhor.

 Parece que as gerações posteriores de Judeus, de alguma maneira, distanciaram-se da forma de adoração religiosa praticada pelos edomitas, os descendentes de Esaú. Para tanto ódio ser canalizado para esse fim, obviamente não se tratava apenas do fato de a religião ser “pagã” , mas uma inversão da percepção dos israelitas acerca da adoração de Yahweh. Em outras palavras, o deus de Seir, não era entidade pagã coisa nenhuma. Ele era simplesmente um aspecto de Yahweh, mas que, ao que parece, os israelitas e os judeus que vieram depois viram como blasfemo. O que, então, causava-lhes tamanho asco em relação a essa forma de adoração pré mosaica dos hebreus? A resposta pode ser a associação bastante íntima de Yahweh à lua.


 À procura de Sin

 Antigamente, a lua era considerada o mais antigo dos planetas, tendo precedido o sol, como o dia segue a noite. Ela era considerada o elemento que controlava os ciclos da natureza. Na antiga Mesopotâmia, o moderno Iraque, ela era adorada com o nome de Sin, do sumério en-zu ou zu-en, que significa “a senhora do conhecimento”, cujo templo principal era em Ur, uma cidade importante situada na boca do rio Eufrates.

 Porém, os mais antigos adoradores de um deus lunar não eram fazendeiros que aravam a terra, mas pastores nômades proto-aramaicos, falantes de línguas semíticas, que perambulavam pelos desertos da Síria e da Arábia, e eram os precursores dos madianitas e dos árabes pré-islâmicos. No velho testamento, os arameus eram descendentes de Aram, filho de Sem e tio-avô de Abraão cujos irmãos mais velhos diz-se que se chamavam Nacor e Arã. Madiã, ancestral dos madianitas, foi o quarto filho de Abraão, com Cetura, sua “concubina”, com a qual tornou-se o pai de muitas nações.

 Diz-se que Abraão viveu por volta de 2000 a 1800 a.C., e que nasceu em “Ur dos Caldeus”, situada na terra de Sanaar, segundo a Bíblia, antiga Suméria. Ao que parece, a cidade bíblica de Ur deve ser identificada com Urfa, antiga Edessa, no sudeste da Turquia. Aparentemente ali ficava uma antiga cidade chamada Ursu em textos sumerianos, acadianos e hititas. O mais interessante é que Urfa tem seu próprio templo ao deus da lua Sin, ao passo que o termo “caldeus” era simplesmente outro nome dos adoradores de estrelas de Harã e Urfa, que eram conhecidos desde o oitavo século em diante como sabianos ou sabeus.

 O primeiro filho de Abraão, Ismael, nascido de uma criada egípcia chamada Hagar, ou Agar, foi o ancestral dos ismaelitas, ou povos árabes. O segundo filho de Abraão, Isaac, filho de sua esposa, Sara, estava destinado a ser o pai de Jacó, ancestral de todos os israelitas, e Esaú, fundador das tribos edomitas.

 Os estudiosos da Bíblia viviam encafifados com esse negócio de Abraão ter sido criado em “Ur dos Caldeus” e passado a juventude em Harã, ambos grandes centros de veneração ao deus da lua Sin. Como ele é considerado o primeiro grande patriarca, a possibilidade de uma conexão entre o deus de Abraão e o deus da lua Sin é mesmo fascinante. É fundamental nos certificarmos disso, uma vez que a Montanha de Yahweh, sobre a qual moisés recebeu as Tábuas da Lei, se chama Sinai, literalmente “de Sin” ou “da Lua”.


 A cidade de Sin

 Harã era chamada de “a cidade de Sin”. Os nativos de Harã acreditavam que Adão, o primeiro homem, “era um profeta, enviado da lua, que chamava as pessoas para adorarem a lua”. Mas desaprovam Set, o filho de Adão, porque ele discordou do pai a respeito da adoração à lua.

 Acreditavam que Abraão foi originalmente criado entre as duas seitas deles – os adoradores de ídolos e os adoradores de estrelas – mas acabou se voltando para os Hunafã, ou seja, aqueles que eram contrários à fé.


 Os Deficientes da Lua

 Também é interessante examinar os mitos e lendas dos mandeanos, um povo que era originário de Harã mas espalhou-se durante os últimos 1500 anos pelo baixo Irã e Iraque. Hoje em dia seus descendentes são os árabes dos pântanos. Segundo a tradição mandeana, Bahram, o nome que davam a Abraão, era originalmente um mandeano de Harã. Mas ao ser circuncidado, ficou impuro. Bahram começou a adorar Yurba, um espírito solar identificado com o Adonai hebreu, que estava sob as ordens de Ruha, rainha das trevas. Dali por diante, ele destruiu todos os ídolos do grande templo e seguiu para o deserto, e com eles foram todos os impuros e “leprosos, e aqueles que eram deficientes – e desses basran Sira (deficientes da lua) os descendentes são impuros e deficientes até a sétima geração”.

 Ele escolheu o lado das trevas, e lutou contra os mandeanos, que prendia e mandava circuncidar à força, tornando-os impuros como ele próprio. Mas depois arrependeu-se, e o planeta Saturno disse-lhe que sacrificasse seu filho (Isaac), porém, tendo se arrependido verdadeiramente, recebeu permissão para libertar o filho e oferecer um carneiro em seu lugar.


 Festa da Páscoa

 Com a origem e a natureza das festividades árabes em mente, descobrimos que os hebreus, que também eram originalmente pastores nômades, baseavam seu ano de doze meses (treze a cada três anos) no primeiro aparecimento da lua nova, e realizavam todas as festas principais de acordo com o calendário lunar. Como os árabes, começavam no primeiro mês, Abib, moderno Nisan, com um festival da primavera, coincidindo com o nascimento dos filhotes dos animais. Falamos aqui da Páscoa, ainda hoje uma das três mais importantes festas do calendário judaico. De acordo com o livro do Êxodo, o Pesah, ou Passagem, comemora a noite que Yahweh “passou” sobre as casas do hebreus para matar os primogênitos egípcios. De sua descrição no livro do Êxodo, a origem do Pesah claramente evoluiu de um costume religioso arcaico semítico muito anterior, ao qual aderiram os hebreus pré-mosaicos.

 Como as festividades do Pesah eram uma celebração noturna, que começava ao pôr-do-sol, culminava ao alvorecer e era realizada na presença da deidade, elas só poderiam ser identificadas com a lua cheia. Curiosamente, “a face de Yahweh” e a “glória de Yahweh” são designações antigas da lua cheia.

 O principal animal imolado ao deus lunar na Arábia pré-islâmica era o touro, tido por personificação do deus Sin, correspondendo a lua crescente a seus chifres resplandescentes. Essa conexão entre a lua a adoração ao touro também se reflete na religião hebraica, pois no livro dos Números se diz que no 15º dia do sétimo mês (a lua cheia coincidindo com o equinócio de outono) treze touros castrados devem ser imolados a Yahweh, doze no segundo dia, onze no terceiro, etc., até o sétimo dia, quando se devem imolar sete touros. Assim o maior número de touros oferecidos em qualquer dia coincidiria com a lua cheia, o número diminuindo conforme a lua minguava. Além disso, treze é o número dos meses lunares em um ano; sete dias é um quarto do ciclo lunar, ao passo que o número total de touros imolados chega a setenta, o número de anciãos que Moisés permitiu que subissem a Montanha de Yahweh.

 Josias tentou expurgar do Pentateuco elementos indesejáveis da fé original de Yahweh, conforme praticada pelos edomitas, os filhos de Seir. Nas partes onde não pôde remover sua conexão com os acontecimentos bíblicos, eles foram denunciados como blasfemadores, idólatras e asseclas de demônios dos seres diabólicos.


 Montanha da Lua

 O nome mandeano Sira ou Sera, da lua, é foneticamente tão semelhante a Seir, o deus local que deu seu nome ao vale e à cadeia montanhosa ao norte do Golfo de Aqaba, que não pode ser mera coincidência. Sustentando esse vínculo está o fato de que tanto os nativos de Harã quanto os mandeanos eram relacionados com os nabateanos, ou nabateus, um povo falante de língua semítica que habitou o Seir do século VI a.C. até a era do Império Romano. Ainda mais, sabe-se que a grafia mandeana deriva do original nabateu, demonstrando-se como o lugar chamado Seir pode muito bem ser uma corruptela do mandeano “Sira”, ou “Sera”, ou vice-versa, fazendo assim do monte Seir, como o monte Sinai, a “Montanha da Lua”.


Parte II b: A Morada de “Deus”  
Parte II-d: Yahweh na Cidade de Pedra 

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