segunda-feira, 12 de novembro de 2012

1, 3, 0



 Estava escuro, mas havia
 Alguma
 Luz
 Que vinha de algum lugar
 Eu acho

 Comecei a mudar, inconscientemente
 De repente, meu corpo dobrou de tamanho
 Eu tinha duas cabeças
 E,
 Nova surpresa:
 Três corpos

 E agora três cabeças, braços e pernas
 Vários!
 Balançando
 Meu corpo pesa, tento me mover
 Movo-me
 Em todas as direções
 Nas direções do meu corpo

 Uma lágrima escorre
 Sinto-me perdendo
 Parte
 De meu corpo
 Sou quase um
 Um pouco mais

 Sim! Mais que completo
 Mas
 Continuo a me dividir!
 Quando me dou conta
 Não sou
 Um

 Talvez meio
 Talvez nada
 Talvez

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Recanto das Letras

http://www.recantodasletras.com.br/autores/sandman

Artista da Sede

 Eu gostava muito de Arte, pricipalmente pinturas. Gostava de apreciar sua forma, estrutura, cor, conceito... Eu andava por alguns museus e vernisages passando um bom tempo com essas obras enquanto bebia, comia e... bebia.

 Certa vez me falaram de um quadro novo em nosso meio. Me disseram que era muito interessante, que tinha qualidade. Eu contei que ja tinha passado rapidamente por essa pintura e não tinha gostado muito, a princípio. Mas me propus a voltar a olhá-la com mais atenção.

 Fiquei ali, em sua frente, por alguns minutos. Tentava buscar seu sentido, mas tudo nela parecia tentar causar um pouco de aversão; não chegava a parecer agressiva, mas era quase antipática; com certeza queria repulsar quem parava à sua frente. Saí daquela sala um pouco frustado. Não sei explicar direito, mas não me sentia muito bem.

 No entanto, em minhas idas e vindas de obra em obra, passava por aquela pintura, que apesar de tudo, chamava certa atenção. Em um desses dias, quando o salão estava sendo fechado, dei uma última olhada para o lado de dentro, pelo vidro da porta, e vi a pintura brilhar. Não parecia reflexo da luz, parecia que... ela simplesmente brilhou... em minha direção. No dia seguinte lá estava eu: olhando, procurando não sei bem o quê. De repente, uma listra de tinta no canto inferior esquerdo da pintura intensificou sua cor e voltou ao normal. Nesse instante, pareceu-me que um véu foi retirado da frente do quadro e várias linhas e cores passaram a conversar entre si. Comecei a entender, e a obra começou a conversar comigo. Percebi de onde vinha a impressão de repulsão (proposital), as linhas sobrespostas em meio às sombras, em um limite entre tristeza, desepero e raiva. E eu dizia "Te entendo completamente!",  e a obra me dizia "Nossa! Você me entende completamente". E eu vi, depois de certo tempo, que não era apenas tristeza; também havia movimento e cores mais alegres disfarçadas entre pseudo-olhos esfumaçados. Ora as cores pareciam avermelhadas, ora douradas, ora alaranjadas e até chegavam a tons terrosos. Os dias foram passando e a cada conversa eu aprendia mais. Percebi até a delicadeza na fina camada de gesso branco espalhado em determinadas regiões. Por último, percebi um pedaço estreito de renda cobrindo a lateral direita da tela. Era difícil perceber em meio àquela composição toda, mas depois de tanto tempo eu via sensualidade ali e, reparando bem, via-se que acabava por recobrir o quadro todo.

 No dia seguinte à apreensão do quadro, senti que a pintura me chamava, baixinho. Retirei a tela, a enrolei e levei comigo. Saí pela noite com ela embaixo do braço. Encontrei um pessoal conhecido com quem fiquei bebendo vinho por algumas horas. A pintura estava ali ao lado, aberta. Conversávamos, conversávamos com ela também. Quando acabou nosso dinheiro, cochilei encostado à uma parede, com a tela entre a parede e eu. Após umas 2 horas começou a amanhecer, levantei e estendi minha mão em direçao à obra. Ela pareceu se afastar e disse "Não... isso tudo foi um engano", eu disse "Como engano? Eu não te entendo completamente? Nós não conversamos e desvendamos caminhos toruosos da Arte?" e a pintura disse "Não. Você na realidade só acha que entende. E o que você achou que eu disse, na verdade você também entendeu errado. Eu vou com ele", e apontou. Eu vi um cara que era uma mistura de hippie, morador de rua, louco e um quê de filósofo (o "quê" de filósofo devia ser o cabelo ou algo assim), que passou a noite bebendo e conversando conosco. Não parecia ser má pessoa, não mesmo, mas estava bem longe de ser um genial expoente da Arte.
 Fiquei razoavelmente chocado com a inesperada situação. Virei-me e fui para casa. Passei o mês todo tentando entender o que aconteceu, qual era o problema, mas não via resposta. Por fim, já esgotado de tanto andar em círculos, mudei o veio artístico: passei um tempo com a música. Foram alguns dias divertidos, novos, empolgantes. Tudo bem que a música era um meio bem mais democrático e concorrido, e a sua apreciação era de certa forma menos íntima e exclusiva,  mas era "o que tinha pra hoje".

 Então, encontro novamente a tela de antes. Encostada em uma árvore, ao lado da "mistura de hippie, morador de rua, louco e um quê de filósofo". Ela me diz "Eu sabia que você não sabia nada desta Arte. Ainda bem que eu não caí na sua. Agora eu estaria jogada em algum canto escuro e úmido enquanto você ficaria por aí às voltas com a música".

 Pasmo novamente. Vou embora. Quem vai entender a Arte? Quem sabe um dia a Arte me entenda.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Enterrado e Bem Morto (Vivo)

Eu a conheci há algum tempo. Não parecia - não parecia mesmo! -, mas algumas vezes ela sofria. Parecia sincera, honesta, tranquila; uma boa pessoa, pra quem poucas coisas faltavam - se é que faltavam. Na verdade ela não sabia quem era - ou o que era. Ela quase não existia; não por inteiro. Parecia a união de vários pedaços dela mesma que foram sendo encontrados caídos pelos cantos com o passar dos anos.

 Ela era quem estava sempre certa; nao errava. Nunca! Tinha todas as respostas, para todas as coisas; ou pelo menos as justificativas.  Sempre pronta a rebater, uma vez após outra, incansavelmente. Cega! Louca! Ela achava que conhecia o amor de verdade, mas só conhecia o amor-próprio. Não! Nem isso! O que ela acreditava ser amor, não passava de egoísmo. Orgulho inabalável, ego gigantesco e puro egoísmo.

 Eu a encontrei pelo caminho de volta para casa em uma manhã, voltando de um bar. Conversamos um pouco e assim passei a conhecê-la; cada vez mais. Cada vez que eu a encontrava naquele mesmo caminho, eu a conhecia mais. Até que em certo ponto percebi que nossa proximidade estava tornando-se (no mínimo) desconfortável. Tudo aquilo que ela era, e que fui percebendo aos pouco, criava uma pesada, sufocante e agoniante atmosfera sobre mim. Tentei não encontrá-la mais; mas aquele caminho pelo qual eu seguia era inevitável. Assim, encontrá-la, vez ou outra, também era inevitável. Até chegar ao ponto em que decidi matá-la. Mas foi mais fácil decidir do que fazer. Na última vez que a vi, naquele mesmo caminho de terra, com aquelas mesmas árvores silenciosas em volta, andamos um pouco até chegar a um banco de madeira próximo de nós. Sentamos e não falamos nada. Eu nem podia: Minha garganta já sufocava com aquela atmosfera que ela gerava em torno de mim. Desci meu braço para apanhar a pá que havia deixado escondida ali fazia um pouco mais de um mês, esperando a próxima vez que ela aparecesse pelo caminho. Então, girei a pá ao mesmo tempo em que me levantava e acertei-lhe à altura da têmpora. Ela caiu no chão. Inerte. Mas não consegui terminar o que comecei; não totalmente. Talvez - mas só talvez - eu sentisse alguma simpatia de alguma espécie por ela. Cavei um buraco naquele chão. Não a matei. Atirei-a ali e a cobri com terra, ao lado da estradinha mesmo. Quando me afastei, cansado, desanimado e um pouco aliviado, pensei ter ouvido alguma coisa, distante: talvez um grito, um resmungo ou apenas minha imaginação.

 Não era apenas imaginação. Algumas vezes voltando por ali, eu ouvia e sentia batidas surdas vindas do chão. Outras vezes era sua voz chingando, reclamando ou suplicando. Acontecia, com menos frequência, mas acontecia, de ela conseguir tirar sua mão para fora da terra e me puxar pelo tornozelo. Mas o pior era quando enquanto eu tentava fugir de suas mãos, ela acabava por conseguir tirar sua cabeça para fora da terra, de tão forte que se segurava em mim. Aí não havia outro jeito: eu tinha que parar de tentar fugir e ficava ali chutando e pisando em sua cabeça até conseguir que ela voltasse de volta para o buraco.

 É... alguns dias não são fáceis. Mas outros, quando só ouço sua voz, bem longe, acho que quase me acostumei.